terça-feira, junho 08, 2010

Memórias Futuristas #19


Tinham passado quatro dias desde o acontecimento. A última coisa que me recordo é de me sentir nos braços do Rogério e depois nada: nada mesmo. Quando acordei na manhã seguinte tive uma reacção inesperada - ele estava a agarrar-me contra o corpo dele como se me protegesse do mundo lá fora e eu comecei a espevitar para todo o lado, enquanto o pontapeava e lhe espetava os cotovelos no abdómen; não sei o que me deu, mas eu não conseguia que ele me agarrasse ou tocasse - como se de algum traumatismo se tratasse.
Ele sentiu-se impotente, inútil: feri-lhe todos os sentimentos como se lhe pisasse o coração - mas era algo mais forte que a minha capacidade de controle. Agora nem sei como estamos, ainda não ganhei coragem para perguntar o que aconteceu no resto daquela noite e ele não me tem pressionado com medo que eu tenha um novo ataque de pânico.
Não recebi mais mensagens ou chamadas do João, desapareceu por completo e isso no fundo preocupa-me: porque ainda que o queira ver do outro lado do Planeta Terra tenho medo do que o Rogério possa ter feito.
Nem tudo é mau por aqui: estamos a um mês do final das aulas e a Raquel foi considerada a melhor aluna do curso dela, a Ana já se conseguiu compor melhor e coser de volta alguns dos pedacinhos do seu coração e dentro de dois meses o primeiro álbum da banda do Diogo sai para venda. Estou feliz por eles todos e ainda que nos dois primeiros dias não se falasse do assunto, agora fala-se e têm-me oferecido os melhores apoios que poderia ter arranjado.
Ontem à noite acordei aos berros (nem me lembro do que estava a sonhar - mas faço uma pequena ideia)e alguém ligou ao Roger que se pôs cá num ápice; era de esperar que eu me sentisse melhor, mas não foi isso que aconteceu: acho que algo em mim continua perturbado e parece que há um muro de Berlim segundo entre nós e não nos podemos tocar.
Eu quero falar com ele, quero mesmo perguntar o que aconteceu: até porque me sinto inseguro e amedrontado quando saio à rua - parece que vejo o João em toda a parte e isso não é nada saudável neste momento.
Pedi o carro emprestado ao Diogo com jeitinho e fui até casa do Rogério, ele não esperava ver-me ali (e sinceramente eu nem sei como consegui chegar lá) mas fui e sem grandes rodeios perguntei o que tinha acontecido
-Trouxe-te até ao carro e depois voltei lá em cima...
-E depois?
-Depois descobri que ele tem problemas mentais, que é medicado e que não era a primeira vez que fazia algo assim...
-Houve mais antes de mim?
-Sim, houve. Encontrei fotos de outros e tuas lá em casa. Ele perseguia-te!
-Não posso...
-Talvez os outros não tenham tido tanta sorte como tu.
Houve um grande silêncio entre nós até ele o quebrar e se descair
-Eu só quero o teu bem e magoa-me que já não te consiga proteger: que tenhas medo de mim Ricardo!
Neste momento ele estava a ficar com os olhos cheios de água e isso partia-me o coração
-Que fizeste?
-Fiz o que tinha de ser feito...
-Que fizeste tu?
-Eu tinha de te proteger Ricardo... Eu acabei com ele!

in Lisboa - Memórias Futuristas

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