domingo, outubro 19, 2008

Um Palhaço Chamado Soraia

-Soraia, entras a seguir.
Fazia os últimos preparos, verificava as pestanas e o rímel, o pó de arroz em demasia, os pêlos da barba que escapavam sempre à pinça e colocava por fim o batom vermelho que me oferecia uma extra confiança e contrastava com perfeição a tez pálida que o pó me oferecia.
Eu era uma artista, ninguém me podia tirar isso, a minha profissão era ser artista. O meu filho Paulo nunca me aceitou como isso, ao inicio ainda me vinha ver com a Judite:
-Mãe, que vergonha é essa? O meu pai é um artista!
Acabou a achar que eu era um palhaço, cheio de pinturas e cabeleiras que me escondiam a identidade e eu nunca o chamei de filho. Quando ele estava por minha casa, onde apareciam as minhas colegas ou até clientes
-É o filho da minha irmã
Oferecia-lhe 20 escudos para ele se entreter na rua com guloseimas. Hoje sou apenas um palhaço velho a realizar o último espectáculo.
-Estás velha Soraia, já não tens idade para isto
E logo apareceu uma cara nova a quem chamaram de “ a próxima Soraia”, tantos anos dedicado e agora sou apenas substituído.
No dia em que a Judite me apanhou os vestidos e as cabeleiras que me escondiam a calvície: pôs-me as malas à porta
-Porquê Carlos?
Antes era apenas o marido perfeito, as figurinhas do bolo perfeitas, as amigas da Judite todas me cobiçavam
-Porquê Carlos?
Mais tarde tornou-se alcoólica, o Paulo foi levado pela assistente social e entregue a uma família conhecida do outro lado de Lisboa e quando o acabou o dinheiro enrolou-se com o dono do café do Bico da Areia em troca de vinho e com os outros cães todos por dinheiro.
Visitava o Paulo de tempos a tempos, até ao dia em que ele se meteu na heroína – queria voar – ainda pensei vê-lo por vezes entre o público, talvez com a Gabriela, a enfermeira que o ajudava e com quem acabou por se casar
-Aquele não pode ser o teu pai Paulo, é uma artista
Mas eu não sou uma artista, sou um palhaço chamado Soraia que envelheceu. Eu sou o Carlos, sem pestanas nem unhas, sem cabeleiras nem pinturas, eu sou o Carlos que ajuda a Dona Aurorinha do terceiro andar com as compras que ela não pode dos joelhos, sou o Carlos que era cobiçado e teve um amor em tempos, sou o Carlos, o pai do Paulo.
Eu sou o Carlos
-Soraia faz com que o cliente da mesa nove beba champanhe, fá-lo gastar!
A Dona Amélia andava com o cesto por entre todas as mesas a vender chocolates e cigarros, foi ela que nos ensinou a dançar a todas, estava mesmo acabada, era a única verdadeira mulher entre nós, sentiria a sua falta.
A Sissi chegava agora aos bastidores, olhei-me uma ultima vez ao espelho, verifiquei as pulseiras e os colares, estava à altura do meu último espectáculo
-Soraia para o palco!
Ao subir as escadas senti as costas a falhar, com espasmos contínuos, a luz focou em mim e senti os pulmões a abafarem, a tuberculose piorava de dia para dia, julguei ver o Paulo na plateia – talvez com a Gabriela -, julguei ver a Judite ao lado do Alcides, o porteiro e quando a musica começou e os meus lábios mexeram de acordo com a voz da Marilyn Monroe, ali a morrer eu ouvi uma ultima vez
-Porquê Carlos?

sábado, outubro 04, 2008

Never: Dejá Fuck


Sexo.
Em casa, na rua, na casa do vizinho, no café, no táxi, na praia, no monte, na empresa, no carro, na garagem, na banheira, em cima, em baixo: por todo lado. Apenas Sexo. E que feliz que sou. O sócio, o carteiro, o vizinho escultural, o velho milionário, o filho da Teresa, o tesoureiro, o barman do Bed, o DJ, o relações públicas: todos.
Sexo.
Não preciso de nada mais e sei que todas as minhas amigas gostavam de ser como eu pelo menos uma noite. Saborear o Sexo como só eu sei, sem afectos, nem chamadas, nem nomes, nem dejá vu ’s, apenas: Sexo. Entro e arraso, paro a pista de dança para mim e coitados dos ingénuos, depois de uma noite gabam-se aos amigos de terem comido um gaja boa sem perceberem que fui eu que os comi, eu que os escolhi, eu que fiz com que viessem ter comigo.
Sexo.
A Teresa diz-me que não me entende, que lhe assusta a minha capacidade de me assemelhar a um homem chapado, mas eu é que não entendo como é possível amarmos alguém para além de nós? Eu tenho amor por mim, e só partilho esse amor com outra maravilha como eu: o Sexo.
Sexo.
Eu tenho o desejo em mim, respiro prazer, preciso de sexo a toda a hora, todo o santo dia e isso não me acanha. O Sexo move o mundo, as relações; claro que eu sei que a Teresa só está com o idiota do marido porque ele é uma bomba na cama - também só serve para isso - para além de pagar as contas. Aquela mosquinha morta não tem nada a ver com o filho, o puto mais giro que já alguma vez vi. João Gonçalo: com 20 anos deu-me um dos melhores orgasmos de sempre; claro que a Teresa nunca descobriu (nem irá descobrir), não tem capacidade para imaginar isso. O puto ainda me bate á porta de vez em quando – nunca lhe resisto.
Sexo.
Faço questão de os fazer gritar o meu nome noite adentro – bem alto – “DÉBORA”, nunca o esquecem: Débora Montenegro; já eu nunca me recordo dos deles, são apenas mais uma vitória, uma noite bem passada, um troféu para juntar á colecção. Sinceramente acho que nunca descobrirei o amor na minha vida e isso fascina-me: já ninguém precisa dum homem a sujar a casa quando nós mulheres somos bastante independentes, com 40 anos sinto-me muito melhor sucedida que bastantes homens e ainda existe a possibilidade de sermos nós a ter de os sustentar.
Sexo.
Eu tenho o diabo no corpo e isso não acanha…
Por isso,
Sexo.
Bem Haja!