quinta-feira, agosto 28, 2008

Vodka Martini


Acabava sempre assim, um quarto que não era meu, uma cama que eu nunca havia feito, umas gotas de suor a escorrer do meu peito, um desconhecido e umas notas dobradas com cuidado que - ao receber – eu colocava (com o habitual movimento) no bolso esquerdo traseiro dos meus jeans. Era o quarto 603, fechei a porta com cuidado (nunca se acorda um cliente), dirigi-me ao elevador e quando me encontrei enclausurado no cubículo: observei-me no espelho. Acima de tudo eu era extremamente atraente: cabelo rapado, olhos verde água, corpo moreno escultural (não demasiado musculado, com tudo no sitio) e sorriso branco brilhante certinho; sou daquele género que pára um salão ao entrar, que abranda os carros e basta andar para ser o centro das atenções. Com 26 anos sinto-me invencível, não sou feliz, mas nunca ninguém invencível precisou de Felicidade.
Ao sair do elevador verifiquei a minha agenda, eram tudo clientes habituais: a Constança, a Carmo e o André. O André dava-me a volta á cabeça desde o primeiro dia em que me falou. Estava no bar do hotel á espera de um cliente e ele não parava de olhar para mim - foi há cerca de 2 meses – pedi um vodka martini e ele, aproximando-se, ofereceu-se para o pagar. Olhei-o com diversão e esbocei um sorriso atrevido acompanhado pelo leve levantar da minha sobrancelha esquerda. “Gonçalo”, disse-lhe eu (não lhe estendi a mão, normalmente pagam-me para me tocar), “Que faz uma pessoa como tu por aqui?”, optei por não lhe dar confiança, sei bem que estava a alucinar com a minha imagem, “Estou em trabalho…”, “Trabalho? Deves ser modelo com esse aspecto!”, deixou cair o suporte do copo (que fazia publicidade a uma bebida nova qualquer) e mordiscou-me o joelho discretamente ao apanha-lo. Nesta altura estava a olha-lo com desprezo, (apenas por profissionalismo - porque eu adorei aquela dentadinha -) “Sou puta, sou caro, não sou para ti.” Olhava-me com cara de espanto, mas transformou-a num sorriso cínico “Não me digas o que posso e não pagar!”. Chegava a hora de subir ao quarto, tirei a minha caneta do bolso, agarrei-lhe a mão e escrevi-lhe o meu número na palma com força de forma a massacrá-lo (foi uma tentativa de mostrar quem manda) “Vais ter noticias minhas, vou ser aquele cliente por quem te apaixonas…” Mandei um ar superior, ele sabia como me irritar, mas mais ainda, como me dar a volta.
Uns dias depois ligou-me – não conhecia o número, não era nenhum cliente habitual – atendi com a minha voz sensual (que foi estudada com um profissional, quando comecei aos 17) “Que faz uma pessoa como tu ter um emprego desses?”, não lhe havia esquecido a voz, percebi que era ele, “Amanhã, o mesmo hotel, quarto 514, às quatro da tarde”, ignorou por completo o que lhe havia dito e repetiu a mesma pergunta que eu sempre evitei, “Dinheiro, luxo” disse-lhe eu, na verdade não foi só isso, o que mais me encorajou a isto foi a minha primeira desilusão amorosa, tinha 16 anos e acho que sofri demais para a idade que tinha, logo a seguir me tornei modelo e aos 17 comecei os meus primeiros trabalhos como prostituto; claro que o dinheiro me iludiu imenso, mas não foi a principal razão. “Lá estarei” e desligou o telefone sem mais perguntas ou dúvidas. No dia seguinte lá estava ele quando cheguei ao quarto, empurrou-me contra a parede e começou a beijar-me com garra (confesso que fui apanhado de surpresa, nunca se beija um cliente na boca). Nunca mais avançou, percebi que era passivo, agarrei-o, atirei-o para cima da cama e dei-lhe a maior foda da vida dele – confesso que a minha também, mas eu nunca admitiria isso – não era um cliente qualquer, mas eu não podia dar-me ao luxo de me apaixonar, recebi o meu dinheiro e pus-me a andar assim que ele se enfiou no chuveiro.
Liguei o meu Audi A5, preto de vidros escurecidos, e dirigi-me para a casa da Constança que me pagava para me algemar e me dar com o chicote (deve ter tido uma relação descontrolada e quer provar que pode controlar um homem) e de seguida a Carmo que me pagava para a fazer acreditar que a amava (deve ser uma solitária). E por fim o André, já tinha saudades dele, beijava-me sempre e hoje apetecia-lhe ser activo: deu-me um orgasmo fantástico e pediu-me que passasse o resto do dia com ele, a noite e a vida. “Tenho mais clientes á minha espera André, que me vão fornecer a porra de 7.000 euros.”; “Eu dou-te tudo que quiseres, vou fazer-te feliz Gonçalo”, devolvi-lhe os 2.000 euros que a última hora tinha valido e pela primeira vez olhei-o nos olhos “Consigo ver que vais ser mau para o negócio” disse-lhe instantes antes de fechar a porta e me enfiar no elevador, começava agora a perceber que talvez alguém invencível também precisasse de Felicidade.