Para Julieta,
Pensei longamente nestas palavras, nestas mesmas palavras com que inicio este discurso para ti. Pensei na forma como te diria tudo da maneira mais suave, tal e qual uma injecção letal, a forma que te proporcionaria menos dor. Pensei na forma de como te diria que tudo não passou do inicio de nada, que todo o romantismo morreu em mim. Fui simplesmente um egoísta, queria mesmo ser feliz desta vez, queria mesmo acreditar que desta vez tinha encontrado a pessoa certa, a pessoa que ia acabar com tudo que me corroía, quis tanto acreditar que eras tu que te arrastei comigo. És simplesmente incansável, sabias sempre a palavra certa a dizer-me, sabias sempre como me arrancar um sorriso, sabias simplesmente consertar-me, mas neste momento, e desculpa ter percebido tarde de mais, eu não tenho conserto. Estou agarrado ao passado, não passo de um fraco, apenas mais um fraco. É demasiado forte, pelo menos mais que eu, mas ainda tremo de cima a baixo quando ouço aquela voz antiga que me matava com tais perfeitos decibéis reproduzidos, ainda me arrasto por uma milésima de segundo em que os nossos olhares se trocam, por conseguir aqueles olhos negros postos em mim, derrete-me.
Fazes-me feliz, preocupas-te comigo e era tudo que eu procurava, tudo que buscava e neste momento eu tinha encontrado tudo em ti, mas voltei a ouvir a mesma voz, lembrei-me da maneira como o meu coração se sincroniza ao ritmo de cada palavra drenada por aqueles lábios que há tanto tempo mantém os meus mortos de sede. É tempo de abandonar tudo, tempo de deixar que o tempo actue como enzimas sobre o meu simples esboço e recorde o passado como a primeira vez que me queimei de amor, apenas isso a primeira vez. Mas não Julieta, eu não vou deixar que isto parta, não consigo, não tenho voto na matéria, não tenho poder e se me perguntares, se me interrogares, eu não quero que o vento leve tudo de mim, não quero recordar isto como a primeira vez, mas como aquela vez. Não quero perder toda a minha inspiração, não quero perder isto tudo a que me sujeito diariamente.
A decadência que percorria aqueles olhos negros partiu, esvaiu-se, finalmente vi aquela pessoa por quem me apaixonei um dia e não uma camada imensa de egoísmo que se arrastava por aí como um parasita, que se aproveita dos outros. Voltei a ver a tonalidade de negro que me deliciava e não o negro embaciado que havia nestes meses. E voltei a ver aquele sorriso. Nunca vi igual. Nunca um simples alinhamento de dentes me cortara a respiração como aquele sorriso. É um sorriso em extinção, já ninguém sorri de maneira tão convicta e profunda, ninguém sorri assim…
Quero que sejas feliz, quero mesmo. Gostava de te fazer feliz como me fazes, gostava de te fazer sentir que nada que me disseste foi em vão, que me ajudaste bastante, que me ajudaste a fortalecer o meu telhado, que tornas-te as minhas lágrimas mais duras e pesadas, mais difíceis de sair. Gostava de te fazer sentir que és especial, ainda que ao leres estas palavras sintas revolta, ainda que provavelmente eu torne as tuas lágrimas mais leves do que nunca. Prometi que um dia te escreveria algo, algo destinado apenas a ti, mas percebo que não fosse isto o que esperavas ler, entendo que esperavas que tudo que escrevesse fosse para te unir mais a mim, para fortalecer mais ainda o laço que me ata a ti. Mas escrevi isto apenas, escrevi para que percebas o que se passa, para que percebas o que sinto, ainda que me pareça difícil, ainda que te pareça difícil. És capaz de não me perdoar depois desta, mas se não voltares não haverá esperança. Se não voltares tudo que me disseste foi em vão, todos os sorrisos que me roubaste foram em vão, todos os momentos em que me senti consertado não valeram de nada, porque se não voltares a falar comigo não haverá vida, não sei o que farei.
As mesmas lágrimas que avolumaste correm agora como lâminas sobre a minha face, desculpa eu ter sido egoísta, desculpa eu não ter nada de especial, ser apenas mais um fraco que não resiste à força do passado, desculpa esta carta não ser uma injecção letal mas uma forma de te matar mais lentamente.
Love,
João Paulo.
P.s.: Si Tu No Vuelves - Shakira y Miguel Bosé